
Parecia verão
Aqui chamam de outra coisa
Maré baixa
Pouco movimento aqui em baixo
Apenas aqueles que vem e vão
E os que ficam, até tudo mudar
Certo dia fortes ondas nos fizeram correr daqui
E em outras noites, retornávamos… calmos, atentos
Fingindo que nada aconteceu
Observando o movimento das águas
Predadores facilmente sucumbem nossos corpos frágeis
Vidas aquáticas que agora não existem mais
Viramos energia vital para monstros submarinos
E ninguém veio nos ajudar
Nenhuma lei ou incentivo fiscal que prevenisse atentados como este
Morremos
E voltamos para outros oceanos
Parece tão distante de onde eu vivi anteriormente que não reconheço caminho algum
Por aqui há muitos seres
Uma confusão constante
Ah se a gente pudesse gritar…
Mas não fazemos mais essas coisas
Na expectativa de que o nosso silêncio nos guie
Na telepatia das relações
E na ausência das palavras
A vida é muito frágil
Parentes que eu quase não convivi já morreram há tempos
Me querem assim: guerreiro
Explorando fragatas afundadas
Cuidando da minha área
Me querem assim: vitorioso
Conquistando o mundo sem dificuldades
Não veem essas coisas em mim
Dificuldades
Mas neles próprios toleram essas coisas sem nunca questionar
Se julgam incapazes mesmo não tentando nada novo
Foi assim que eu aprendi a não ter mais dificuldade alguma
Revolucionando
Agindo
Cansei de nadar por hoje
Encontrei o lugar ideal para dormir em paz
Metade do meu cérebro primeiro
E a outra metade depois
Sempre em alerta
Voltei pro coral que nasci e não havia mais ninguém
Não sei se fugiram
Quem sabe morreram
Afinal, quanto tempo eu estive fora de casa?
Esse tipo de coisa não é entendível para mim
Me querem assim: vivo
Mesmo com todos partindo para outros lugares do oceano
Reiniciando seus ciclos subaquáticos
Neste terror que é viver aqui
Agora é inverno
Não há nenhuma saída termal por esses lugares
Sem aquecimento algum
Me jogaram lá a sangue frio
E fiquei morrendo aos poucos
Mas este não será o meu fim
Só preciso de mais um tempo resistindo
Me querem assim: invicto
Mesmo com esse mundo líquido em mim
Acabo de encontrar uma correnteza gelada
Que ela me tire daqui
Essa noite eu não vou voltar pra casa
Estou indo em direção ao meu novo lar
Revolucionei
E eu poderia estar morrendo em algum canto do oceano
Me paralisando de frio
Só pela comodidade do descanso nesta vida terrorífica subaquática
Eu mereço isso
Uma folga
Que custe a minha vida
E me recompense por tudo que eu já sofri
Ou escolho surfar novas ondas
Migrar de continente
Navegando em novas correntezas
Eu nunca vou parar de nadar.
Igor Florim
Fantástica foto. Posso reproduzir com link a https://sumidao.blog/2020/03/17/mundo-subaquatico-terrorifico/ ou outro?
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“Ah se a gente pudesse gritar…
Mas não fazemos mais essas coisas
Na expectativa de que o nosso silêncio nos guie
Na telepatia das relações
E na ausência das palavras”
Eu penso muito sobre isso. Sobre querer gritar, simplesmente. E sobre poder falar abertamente sobre tudo.
Sei lá, quando a gente é criança, fazemos tudo isso com uma liberdade infinita. Daí a gente cresce e começa a se fechar, a ter vergonha, a seguir tabus, a evitar que os outros saibam da sua vida – ao mesmo tempo em que anseia por ser compreendido.
A gente acaba dificultando aquilo o que deveria ser fácil.
Enfim, ótimo texto. Você escreve muito bem, e com certeza definiu muitos dos meus sentimentos atuais.
Oh, Honey:
http://www.honeyzinho.wordpress.com/
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Quando a gente é criança… sem tabus
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primeiro gostei da concha que acompanha o texto. Segundo, com o longo dos anos, cheguei a conclusão que quando achamos que sofremos, é só na nossa mente. Parar de nadar jamais, mesmo que seja contra a corrente. E o prazer de ver que as pessoas te observam nadando, pensando esse vai contra o mundo, me recordo Vandré contra o vento, contra as mares, contra tudo. Pois somos uno nada mais que isso.
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contra a maré…
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