A casa era cálida – com seus vizinhos por perto, loucos para uma invasão na ausência dos moradores

Mas nunca conseguiam

Certa vez o governo estimulou competições por toda a nação, resgatando uma antiga corrida de séculos passados: a corrida das libélulas

Todos os anos e atualmente cada vez mais, milhares de libélulas invadiam as cidades e se reproduziam mais ainda

E nessas, milhares destes insetos se espalham por todos os lugares

Antigamente os jovens capturavam uma libélula, mergulhavam ela em tintas coloridas e a prendia em potes de vidro até o momento da corrida

Sempre alinhados, todos soltavam suas libélulas na pista de corrida

No ponto de chegada havia um espelho d’água

Salve-se quem puder

Quando eu era criança meus pais me ensinaram que o nome desses bichinhos era bate-bunda pois quando encontravam água parada ficavam lá – se molhando sem mergulhar, só batendo a bunda e voando de volta

Porém com as tintas por todo o seu corpo insectóide, elas não enxergavam e apenas por instinto procuravam a água para mergulhar e saírem limpas após o mergulho

E assim fizemos – nós, velhos de outra geração, resgatando esses costumes ao convite do governo federal da nação

Porém aquela corrida não era a minha corrida e logo após o início arremessaram gotas de óleo quente na pista das libélulas

Quase todas caíram no chão de areia da pista – cheias de furos em seus corpos por causa das gotas de óleo quente arremessadas e morreram em seguida

Ninguém entendeu muita coisa

Nos telões a cena foi ampliada para todos assistirem e um silêncio mortal foi instaurado naquela arena

Guardas procurando o inimigo público mas sem sucesso não encontraram nenhuma evidência aparente

Algumas libélulas não atingidas chegaram até o final e se lavaram na água – são as vencedoras

Na semana seguinte houve outra competição mas dessa vez o governo foi mais esperto, ele optou para deixarmos a praga de libélulas vivas, não mais agredindo os bichinhos que culturalmente sempre se aglomeraram nas cidades nessa época do ano – agora iremos usar libélulas eletrônicas

A competição foi um sucesso porém na terceira rodada hackearam o sistema e todas começaram a voar desgovernadamente e não mais para o espelho d’água

Tudo muito bem calculado

Era um desgoverno

Suspenderam as atividades

Voltamos para casa

Novamente eu comecei a notar movimentos suspeitos vindos da janela, parece que alguém queria entrar a todo custo

Mas sem me apavorar, fiquei observando de longe, sem ser visto

Eu estava pronto para dar um bote no vizinho intruso

Ninguém vai ocupar o meu lar

Mas eram libélulas

Voando pela sala

Entrando pelos quartos

Fugindo pelo teto

Naquele mesmo ano estudos avançados concluíram que as libélulas eram poderosas manipuladoras energéticas e sua bate-bunda na água era para energizar o líquido

Lá em casa parece que foram para me proteger

Elas tocavam em mim

Eu tentava voar junto mas não entendo destes costumes insectóides

O mundo era uma confusão

Pedimos desculpas para as libélulas, estes bichinhos sagrados que por tantos milénios eram usados em corridas

Só para controlarmos o número de impestação

Mas elas só vinham concluir seu ciclo

Energizar às águas

Curando

Indo além

Meu vizinho desistiu de invadir a minha residência

Acho que as libélulas ensinaram coisas para ele também

São essas pequenas revoluções que mudam o mundo

Ninguém mais fala em corridas

Querem agora, salvar todos os bichinhos e serem abençoados por estes

O mundo não para

Voe como uma libélula para a água

Salve-se como um inseto

Revolucione os velhos costumes do mundo

Tudo precisa mudar.

Igor Florim